Carnaval sob chuva: Garibaldis, Sacis e sambas aquecem o sábado curitibano

Crônica: José Martins – professor e historiador

Quinze graus, chuva e garoa, desafiam o carnaval curitibano, um dos poucos redutos das minorias.

O carnaval de Curitiba amarga uma má fama. Aliás, a fama da cidade é de não ter carnaval, o que é quase uma inverdade. Sabe-se que muitos turistas procuram a capital do Paraná justamente para fugir do carnaval.

Então poderia se dizer que aqui é a cidade dos que não gostam de carnaval. Não.

Essa falta de aptidão para a maior festa popular do mundo faz lembrar, uma canção do  cantor Guego Favetti ao fazer um sambinha muito simples onde apregoa, sobre o Paraná, onde Curitiba se encontra, “nunca deu samba e nem dará”. É claro que o cantor faz apenas uma canção e não uma profecia. As dezenas de escolas e blocos que o digam.

Mas seguindo para a Avenida, com os para-brisas cheios de água e já dotado de um casaco, fomos ver a Internautas, a primeira escola a desfilar e conseguimos, com heroico empenho, perseverar durante três apresentações carnavalescas dignas de aplauso. Avassalador mesmo era o frio.

A gente não tem o conhecimento de um João Carlos de Freitas, profundo conhecedor do samba e do carnaval em Curitiba para fazer análises mais profundas, mas como um observador social é possível identificar esse como um dos poucos espaços de destaque que ainda estão acessíveis às minorias, um espaço de liberdade e exuberância em plena Marechal, a grande avenida da capital Paranaense.

Algumas das escolas têm origem e atuação nas cidades da periferia da capital, o que nos permite entender que nessa data, a avenida se torna espaço de liberdade para escolas de samba, blocos, pequenas aglomerações de brancos foliões em busca de um certo carnaval. Os negros, que não seriam maioria, se misturam nesse enredo com grande destaque na avenida.

As arquibancadas são esses espaços. Sempre instaladas pela prefeitura que de fato apoia o carnaval e tem em seu prefeito atual um admirador contumaz, digno de admiração e apreço pela forma como acolhe e incentiva as escolas e suas bandeiras. Greca faz questão de beijar as bandeiras das escolas, evidentemente agasalhado e aquecido no camarote oficial, longe do frio, chuva e da pobreza material de algumas alas destas guerreiras escolas.

Seria interessante documentar as formas como essas escolas produzem esses carros alegóricos para o desfile, em especial o drama de empurrá-los até o centro, puxá-lo ao longo do desfile e depois guardá-los em um lugar seguro para aproveitar sua carcaça no próximo carnaval. Isso  a gente de fato não vê.  A Fundação Cultural de Curitiba fez um bom documentário a alguns anos atrás, destacando inclusive o envolvimento da comunidade na montagem do desfile, uma verdadeira saga.

Mas esses espaços protegidos eram para uma minoria. A maioria congelava aos 15 graus da meia noite chuvosa. Era preciso muita fé no samba para persistir. O samba vira a resistência. Aliás o samba tem isso na sua essência. Resiste ao tempo.

A maioria das pessoas, em pé ao lado do alambrado, buscando uma marquise como proteção, assistia ou andava de um lado para outro. No entorno, muita gente. Cuidadores de carros, jovens embebecidos, maltrapilhos, moradores de rua, drogados, pessoas em situação de diversidade, entre outras tantas pessoas tidas como normais. Esse evento atinge todos os anos uma multidão de pessoas que há muitos anos adotou a Marechal como território do Carnaval curitibano, mesmo que ele insista em não empolgar muito. Esse ano contou com a ajuda do frio de verão.

Lembro de alguns anos atrás, antes de tentarem emplacar o carnaval no inóspito Centro Cívico, passei pela Marechal numa noite de desfile, no início da madrugada e percebi as mesmas cenas. Apenas não chovia.

As escolas. São as escolas que temos e que muito bem nos representam. Modestas, honestas, persistentes. As agremiações como são chamadas demonstram muita paixão pelo samba e como as demais escolas de outros estados, persistem em manter vivo o carnaval, ante todas as dificuldades. Nas diversas alas, muita boa vontade, esforço e improvisação. Todo o mérito ao desfile do samba, aquecendo o corpo  dos foliões, abalado pela garoa fina que ora se convertia em pingos de água. Quem mais sofreu foram reis e rainhas que abrem o desfile de cada uma das  escolas. Repetidas vezes.

O que brilha mesmo no centro nervoso da capital é a liberdade com que as pessoas se envolvem nesse evento. Na avenida e na plateia ensaia-se um reino de liberdade onde cada qual brilha como quer e brilha mesmo, sem qualquer reprimenda. Alguns espectadores  chegam a olhar assustados uma figura masculina trajando feminino dançar alegremente, e fazem desse susto um sorriso, sem muita repercussão. Pessoas idosas ou de idade mais avançada dançam  com todo vigor, “feios e bonitos” se misturam num verdadeiro carnaval. Lá fora, na esquina um homem de rua bate palma, sem saber o que acontece no abre alas.

E assim desfilam as escolas com seus adornos e tamborins. Com chuva ou sem chuva é carnaval em Curitiba. Uma mulher “plus size” –  eufemismo de “gordinha”, rompe paradigmas e sorri alegremente sobre uma carro alegórico que comporta um violão gigante, mostrando que a Marechal é o reino da liberdade, em tempos de carnaval. Na quarta-feira, tudo acaba e a Marechal volta a ser como dantes.

One thought on “Carnaval sob chuva: Garibaldis, Sacis e sambas aquecem o sábado curitibano

  • fevereiro 23, 2023 em 1:59 pm
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    Pairabéns pelo texto

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