Em 1825 Curitiba se contou: 12 mil habitantes, poucos recursos e vida provinciana
Há 200 anos, Curitiba foi contar os seus. Ouvidores e párocos bateram de porta em porta por toda a Vila de Curitiba, incluindo as freguesias de São José, Palmeira, Campo Largo, Iguaçu (Tindiquera) e Votuverava. Eles questionavam os donos das casas sobre sexo, idade, cor e ocupação social dos moradores. Também eram aferidas questões sobre casamentos, nascimentos e óbitos.
Como resultado, as autoridades da cidade elaboraram o “Mapa dos Habitantes do Corpo de Ordenanças da Vila de Curitiba e seu Distrito de 1825”. O documento mostrava que a Vila de Curitiba tinha então 12.514 habitantes, pouco mais que a população atual das Mercês. Esses moradores se dividiam entre o pequeno conglomerado urbano, nas proximidades da Praça Tiradentes, onde a cidade nasceu, e os distritos, que hoje correspondem a municípios como São José dos Pinhais, Araucária e Rio Branco do Sul.
Josés e Marias
Inserida no sistema escravagista que vigorava no Brasil, a Vila de Curitiba tinha então 1.578 escravizados, 12,6% da população. O número era inferior ao registrado em outras cidades brasileiras. Estima-se, por exemplo, que no Rio de Janeiro, capital do Império, o percentual de escravizados chegava a 40% da população.
Entre a população livre de Curitiba, havia mais mulheres (5.806) do que homens (5.129) e predominava a presença de jovens. Cerca de 60% da população (6.467 pessoas) tinha entre 0 e 19 anos – de acordo censo de 2022, atualmente são 22,5% nessa faixa etária. Apenas 4% (436 pessoas) tinham mais de 60 anos – hoje representam 18,13%.
Os nomes masculinos mais comuns na Curitiba daquela época eram Manuel, José, João e Francisco. Entre as mulheres, Maria era o nome predominante, seguido por Ana.
Dez anos antes, em 1815, uma pesquisa semelhante foi realizada na cidade. Imprecisões estatísticas à parte, a proximidade dos levantamentos permite comparar os números e entender os rumos que Curitiba tomava.
A população livre havia crescido, passando de 7.550 para 10.936 pessoas. A população escravizada também aumentou levemente, de 1.512 para 1.578, embora sua participação no total de moradores da cidade tenha diminuído. Essa queda percentual de escravizados seria constante e gradativa ao longo do século 19, resultado, segundo historiadores, da atração exercida por fazendas de café mais lucrativas em outros locais, como o interior de São Paulo.
Humilde e provinciana
Apesar do crescimento da população, Curitiba era ainda uma cidade muito humilde e provinciana, mesmo para os padrões da época.
As condições de vida dos curitibanos não eram fáceis, conforme descreve Renato Mocellin, em “História Concisa de Curitiba”: “Em 1806 uma epidemia de ‘cãimbra de sangue’ (diarreia) assolou a vila. No ano de 1809, o inverno foi rigoroso provocando uma grande escassez de víveres; além da subnutrição, uma epidemia de ‘chaga sarnosa’ atingiu os curitibanos. Em 1818, a varíola fez muitas vítimas, o mesmo acontecendo em 1831 e em 1838”.
Os relatos da viagem do naturalista e explorador francês Saint-Hilaire, que passou pela Curitiba em 1820, ilustram bem o cenário socioeconômico da época.
“Em Curitiba e nos seus arredores há um número muito pequeno de pessoas abastadas. Eu vi o interior das principais casa da cidade, e posso afirmar que nas outras cabeças de comarcas ou mesmo de termos não havia então nenhuma casa pertencente às pessoas importante do lugar que fosse tão pouco arrumada assim”, relata Saint-Hilaire em seu “Viagem pela Comarca de Curitiba”.
A falta de dinheiro parecia generalizada. Em “Terra e Gente do Paraná”, o historiador Romário Martins lembra que entre 1821 e 1825 a Câmara Municipal, que na época acumulava também funções administrativas na cidade, sequer conseguia pagar o salário de um mestre régio das primeiras letras. O mestre régio era uma espécie de professor primário, responsável pela instrução das crianças.
Registros históricos da Câmara Municipal mostram que, em março de 1825, a Câmara solicitava parecer da Junta da Fazenda sobre “rendeiros” que se negavam a pagar impostos. Os rendeiros eram pessoas que usavam terras arrendadas. A própria Câmara não conseguia construir uma sede própria e utilizava prédios alugados.
Há esperança
Saint-Hilaire, porém, via esperança para os moradores da Vila. “Curitiba podia, pois, ser considerada como a única cidade no interior que, a partir de São Paulo, mantinha contato frequente e direto com o litoral; em consequência, sua situação era extremamente favorável ao comércio, e não há a menor dúvida de que ela se tornaria uma cidade muito florescente se a estrada que atravessa a serra de Paranaguá não fosse tão acidentada.”
O explorador francês também acertou ao prever que o mate, cultivado na época “com pouco cuidado”, iniciaria, nas décadas, seguintes um ciclo de riqueza para a cidade, tornando a Vila um centro econômico regional.
Mapas de habitantes e Listas Normativas eram instrumento de contagem do Brasil Colônia
Em sua dissertação de mestrado “Aspectos demográficos de Curitiba: 1801-1850”, a historiadora Elvira Mari Kubo afirma que dentre os recenseamentos realizados para a Capitania e, posteriormente, para a Província de São Paulo, da qual Curitiba fazia parte, os mais detalhados são as Listas Normativas de Habitantes, existentes a partir de 1765.
“Essas listas eram levantadas anualmente, com finalidade militar e fiscal, pelos capitães-mores das vilas, com o auxílio de ouvidores e párocos. A população recenseada por fogos (domicílios) era registrada em Mapas de Habitantes pelas Companhias de Ordenanças, e posteriormente eram elaborados mapas recapitulativos por município e por capitania, sendo que o mapa desta última era duplicado para remessa a Portugal”, afirma Elvira.
A metodologia perduraria nos primeiros anos pós-independência — o primeiro censo oficial do Brasil Império só seria realizado quase 50 anos mais tarde, por meio da Diretoria Geral de Estatística (DGE). Neste Censo, de 1872, a então Comarca de Curitiba, que englobava Votuverava, Arraial Queimado e São José dos Pinhais, tinha uma população de 42.175 habitantes, dos quais 2.597 escravizados (6,2%). A da Bahia, tinha 129.109 habitantes, enquanto Porto Alegre, capital da Província do Rio Grande do Sul, possuía 43.998 habitantes.
Texto: Guilherme Voitch
Secretaria Municipal da Comunicação Social (Secom)