Brindar sua meninice.

Chove em Curitiba. Chove em Curitiba há uns 4 dias, para ser mais exata. Não consigo ficar quieta. Estou em streaming nos últimos dias. Agora, não importa meu coração, minha mudança ou o que vou fazer para o jantar.

Eu sou meio infantil e odeio falar sobre temas que todo mundo está falando. Papo de gente boba, eu sei. Mas, meu silêncio seria injusto e ensurdecedor.

Essa chuva é o reflexo do estado do seu corpo, que consigo sentir daqui de Curitiba. Não conheço o Espírito Santo, mas, te sinto aqui. Em cada pingo dessa chuva. Não sei seu nome. Deve ser lindo. Como você e o seu ursinho de pelúcia, que apertava contra o peito.

Eu tenho uma filha de quase 3 anos e brindo a meninice dela todos os dias pela manhã. Na Peppa Pig. No dançar no chuveiro. No assalto aos doces da prateleira. No olhar inocente. Ninguém tinha o direito de tirar sua meninice. Sua inocência. Seus assaltos aos doces da prateleira.

Família é um conceito amplo. A gente não escolhe ao nascer, mas, pode escolher quando cresce. Você ainda não teve uma. Mas, eu prometo que vai ter. Porque esse pesadelo está chegando ao fim. Não é que esse trauma não vai te acompanhar pelo resto da vida – eu sei que é complexo. Mas, olhe em meus olhos. Você vai mudar de endereço. Vai conhecer gente nova. Vai completar seus 11, 12, 13 anos. Vai tirar 10 na prova de matemática. Vai aprender o que é um transitivo direto e comer bolachas na hora do intervalo. Você vai aprender a dirigir e cantar com o som bem alto. Vai fazer acompanhamento e tentar se livrar de toda essa dor. Você vai à praia. Ao parque. À fazenda. Vai conhecer alguém. Escolher sua família acolhedora.

O tempo é cruel, eu sei. As memórias ficam enraizadas na gente. Mas eu queria que você soubesse que boa parte desse país está pensando em você 24 horas por dia. Mandando sentimentos. Todos queriam te abraçar. Brindar a sua meninice. Te dar pezinho para os assaltos aos doces da prateleira.

Não sei quando você vai ter alta. Não preciso saber. Ninguém precisa. O que importa é você sair daí bem. Tentar restaurar a paz. Olhar os balões coloridos que penduraram na frente do hospital para tentar brindar sua meninice.

Eu os tiraria de cima de você. Eu juro. Eu tiraria um por um. Arrancaria. Seus tios. Seu avô. Eu te abraçaria. Fugiria. Eu queria poder te tirar essa dor.

Chove há 4 dias em Curitiba.

E ainda vai chover muito.

Até você conseguir sorrir.