É tudo sobre ela

O despertador toca e eu acordo às 5h30 da manhã. Porque eu prometi que nesse ano eu me dedico à academia. Como uma banana e vou para o treino. Faço tudo com a sobrancelha meio franzida, como de costume. Tomo um banho. Checo os e-mails, nada de novo. Ligo para cobrar uma encomenda na gráfica, que não responde os e-mails. Amanhã fica pronto e eu posso passar buscar. Me arrumo. Dou um beijo na testa da minha filha e vou sentido escritório. Remexo na bolsa atrás do álcool em gel e encontro uma cortesia do cinema. Preciso marcar de ir ao cinema com o namorado. Entre Rivotrils para angústias, Vonaus para enjoos (que quase sempre é a angústia fantasiada de enjoo) e Neosaldinas para dores de cabeça por falta dos óculos. Preciso usar mais meus óculos. Acho o álcool em gel. Entro no meu Instagram e percebo a falta de mensagens dos meus amigos. Aqueles que já não me cabem mais. Me olho no espelho e aumento o volume do Podcast, que fala sobre a memória dos mortos no Holocausto. Lembro que fui no Museu do Holocausto na semana passada e eles não citam a Síria nem a Palestina no memorial de genocídios pós século XX. Fico brava e envio um e-mail ao Museu perguntando se existe problema com o povo árabe ou é só sionismo exacerbado. Pego minha primeira xícara de café do dia. A xícara linda, que eu comprei na Tok&Stock, na promoção. Me faz lembrar que ir na Tok me deixa meio depressiva e me remete à minha época pós-parto, onde imaginei que a vida seria florida e eu montaria minha própria casa, tipo brincadeira de criança. Com jogo de panela e tapete pro banheiro. Penso que a vida nos surpreende e agora, tenho a esperança de um recomeço e uma cozinha com panelas vermelhas. 

Sento na minha mesa e escrevo o começo de um artigo que eu vou submeter no mês que vem. Mais uma xícara de café. Preciso tomar menos café e olhar menos para essa xícara. Saio para almoçar. Coloco no prato coisa com pouco carb. Subi de nível, penso. Ainda não sei quem quero ser, mas, com certeza, alguém que consegue comer salada, dormir sozinha, usar chapéu estilo Panamá e postar a primeira selfie que tirar. Penso que prometi enviar um texto até as 18h00 para um amigo que trabalha em um jornal e adora os meus escritos. Ou, que preciso juntar todas as crônicas escritas na vida para publicar meu primeiro livro. 

Volto para o escritório. Penso muito em Kinder Bueno e nos filmes da minha lista para riscar. Posto um boomerang com a tal da xícara de café no Instagram e fico atenta a quem está me curtindo por lá. No final das contas, é tudo sobre a xícara de café comprada na Tok, em promoção, que me remete ao primeiro risoto feito na casa nova. 

Termino de analisar uma interceptação telefônica longa e entro no carro sentido casa. O aleatório escolheu aquela música do Jay-Z com o Justin Timberlake, que eu amo e sei cantar inteira. Abro a janela e vou sentindo o vento no rosto, cantando. Pensando no risoto, no treino, nas crônicas, no Kinder Bueno e na caneca de café.