O documento
Foi com ele que eu ouvi a canção da liberdade do meu sonho adolescente. Que eu fui até o parque Barigui no meio da noite fazer nada. Que eu fui até Piraquara pela primeira vez. Que eu senti medo e coragem. Com ele, fiz meu primeiro externo do escritório, lá no Fórum Cível. Foi com ele que eu desabafei, que eu falei tudo que eu queria – e na altura que eu queria. Era com ele que eu fugia quando tudo ficava chato e tedioso. Foi com ele que eu dei beijos apaixonados. Até com ele, coitado, paquerei no sinaleiro. Ele acompanhou o crescimento da minha barriga. Sentiu a comemoração da minha primeira baliza bem-sucedida. Foi ele que me buscou na maternidade. Que recebeu a cadeirinha da minha filha com apenas 3 dias de vida. Com ele, fui a cafés ansiosos. Me acompanhou quando eu sentia tanta emoção que cigarros se fumavam sozinhos, eu não. Foi com ele que eu fui buscar pessoas importantes em hotéis bacanas. Ouviu meus prantos, me deu um espelho para secar as lágrimas e me viu seguir o dia. Ele foi comigo levar minha filha para seu primeiro dia de aula, me assistiu fazendo cara de mãe-acostumada, quando na verdade, eu estava querendo gritar.
Com as minhas músicas preferidas, no volume máximo, ele me embalou nos dias de sol.
Há 3 meses ele foi embora. Foi embora não, porque esse é um termo injusto. Há 3 meses ele mudou de mãos. Eu estava lidando bem, eu juro. Eu não tinha chorado nenhuma vez. Até quando eu vi ele ali, sendo colocado para venda bem debaixo do meu nariz, fui forte. Mas hoje, não aguentei. É que, enquanto eu me arrumava para sair, recebi uma mensagem digitada pelas tais novas mãos – “Oi, você é a Caroline Mattar Assad, que tinha um carro marca GM modelo Meriva? É que eu estou atrás do documento que deve ter ido para o seu endereço”.
Sou eu. O documento está aqui, no escritório. Mas eu só te entrego quando você me contar algumas coisas. Você tem filhos? Pela foto, deve ter. E esposa? Também… Ele vai levar vocês no Parque Barigui? Vocês frequentam cafés? Você vai vibrar suas vitórias com ele? E os beijos apaixonados? Só não paquere no sinaleiro, que a esposa vai ficar brava comigo. Você busca seu filho na escola? Você vai ensinar ele a trocar a marcha com esse carro? Vai emprestar para ele fazer uma moral com os amigos? Vocês vão ouvir música alta e celebrar as conquistas do dia-a-dia? Tipo uma nota alta em matemática…
Me responda, amigo…
Venha buscar o documento.
Que os momentos sejam doces.