O mundo sem você

Você. Porque eu sempre achei esse negócio de chamar gente próxima de “senhor” ou “senhora” muito estranho. Você, minha avó. Te escrevo e jogo aos ventos, para que você leia de onde quer que esteja agora. Ou alguém leia para você, como a Thaise fazia e você adorava.

Foi às 7 da manhã de segunda que recebemos aquela ligação que ninguém quer receber. Quando o telefone tocou, nós já sabíamos. Eu e Thaise dormíamos na mesma cama. A ligação foi para ela. Nos vestimos e fomos. Vestimos uma nova pele, aquela que não tem mais você para abraçar. Você gostava de flores. De jardim. De bater perna no centro. De comer queijo escondido. Você gostava de chimarrão. Do mil folhas do Kuzma. De comer de madrugada. Você gostava de nós. Nunca mais – é a frase que ecoa em minha mente. Nunca mais as flores no jardim, nunca mais o chimarrão, nunca mais o queijo escondido. Nunca mais você sentada no sofá de porta aberta esperando, ansiosamente, nosso carro chegar.

De tarde eu fui na sua casa. Vi uma foto minha, sozinha, em um porta-retrato. Como você gostava de mim. Eu chorei. Chorei muito e peço desculpa. Eu deveria estar sendo mais forte para confortar a sua filha mais nova – a quem chamo de mãe –. Estou tentando, juro. Quando a cabeça fica vazia dá vontade de chorar. Só consigo lembrar de você perguntando da Cecília ou do seu jeitinho de falar que era único. “Carro” = “caro”, “fogão” = “fogon”. Vó, que falta você vai fazer. Como vou explicar para a Cecília que agora a Bisa não está mais aqui? Como vou explicar que virou uma estrelinha? Eu não sei. O que me conforta é saber que você descansou do sofrimento que estava sendo procurar todo aquele ar para respirar. O que me conforta é um pensamento do Santo Agostinho que diz que a morte não é nada. Que você somente passou para o outro lado do caminho. Que você é você e nós somos nós e o que você era para nós, continuará sendo. Que é para darmos para você o nome que sempre demos e falar com você como sempre fizemos. Que a gente continua vivendo no mundo das criaturas e você, agora, no mundo do criador. Que não é para utilizarmos um tom solene ou triste. Que é para rirmos daquilo que nos fazia rir juntas. Para rezar, sorrir e pensar em você. Rezar por você. Que seu nome seja pronunciado como sempre foi – sem ênfase de nenhum tipo e sem nenhum traço de sombra ou tristeza. Que a vida significa tudo o que ela sempre significou. Que o fio não foi cortado. Afinal, por que você estaria fora de nossos pensamentos agora que está apenas fora de nossas vistas? Que você não está longe, está apenas do outro lado do caminho. E que nós, que ficamos aqui, sigamos em frente, pois a vida continua linda e bela como ela sempre foi.

Com muito amor e saudade, sua neta, Caroline.

20/05/2020