Se ela não tivesse ido embora

Você não estaria ligando e a convidando para jantar fora em uma terça-feira comum. Não repararia que ela variou do esmalte 40 graus da Colorama para um preto. Você não ligaria para ela às 17h00 “só para dar um oi”. Não mandaria flores no escritório. Não enviaria aquela música que você ouviu pensando nela, mais cedo. Você não iria levar ela para o bar na quinta-feira, com o objetivo de encher a cara, dar risada e cantar todas aquelas (Lado A e Lado B) do Chico Buarque. Não iria trabalhar na sexta de ressaca. Nem falaria para ela, já pela manhã, que está com saudade. Você não mandaria uma cesta de café da manhã, de surpresa, em um sábado qualquer. Você não estaria reparando em como o rosto dela fica bonito iluminado pelas luzes da cidade, enquanto ela dirige e diz que ama as luzes da cidade. Você não estaria pensando em passar o final de semana na praia. Nem em ir para São Paulo só pra comer naquele restaurante japonês que ela gosta. Você não estaria reparando no rapaz que se aproximou dela. Não gostaria de ligações às três da manhã e nem de falar sobre como a menina da novela foi burra naquela cena. Você não estaria elogiando os textos dela ou incentivando aquele projeto engavetado que ela tem há 2 anos. Na mão dela, não existiria um anel. Você não levaria Mc Donald’s depois de um dia exaustivo. Não acrescentaria a vírgula que ela esqueceu de pontuar. Não a convidaria para ver o mesmo filme que ela adora, pela oitava vez. Não abriria aquele vinho guardado para alguma data especial, só para tomar no sofá, de meia. Não falaria que ela fica bonita de pijama e sem maquiagem alguma. Você não se preocuparia em debater sobre o livro que ela está lendo. Não iria ao parque aos sábados de manhã caminhar, jogando assunto fora. Não iria ter paciência com as questões dela e todo aquele jeito único – aquela personalidade que você não consegue encontrar em lugar outro algum. Não estaria fazendo uma lista com os cafés mais legais da cidade, para levar ela conhecer um a um. Você não estaria interessado em ir na Livraria Cultura passar uma tarde de domingo, ouvindo ela falar.

Mas, desde quando ela saiu pela porta, você sentiu um vazio imenso e se deu conta de que o mundo não tinha o mesmo ar pela manhã sem a sobrancelha franzida e a voz falando “meu bem”. Você procurou em todos os bares, nas festas, na vila…

Mas, não se iluda. Se ela não tivesse ido embora, você não estaria ligando e a convidando para jantar fora em uma terça-feira comum.