Paraguai confirma que ata bilateral não previa venda de energia de Itaipu à empresa privada  

 

Em comunicado divulgado neste sábado,10, o Ministério de Relações Exteriores do Paraguai confirma o que foi divulgado pelo governo brasileiro, de que a ata bilateral assinada em 24 de maio de 2019 não incluía nenhuma cláusula referente à comercialização da energia da parte paraguaia no mercado brasileiro de eletricidade.

Mesmo porque, segundo a nota do governo paraguaio, esse tema "não poderia mesmo ser abordado na reunião das chancelarias em que se adotou a Ata Bilateral de 24 de maio de 2019, por não ser a instância nem o instrumento adequado para esse fim, por ser convocada como um mecanismo de solução de divergências previsto no Artigo XXII do Tratado de Itaipu".

A convocação das altas partes contratantes, para a discussão da compra de energia contratada de Itaipu pela Ande, ocorreu porque, ao contrário dos anos anteriores, as áreas técnicas da estatal paraguaia e da Eletrobras não chegaram a um acordo sobre a potência a ser contratada para 2019.

No comunicado, o governo paraguaio diz também que pretende discutir com o Brasil, "oportunamente", a forma de "tornar efetivos" os compromissos assumidos pelos dois países na Declaração Conjunta assinada pelos presidentes em 25 de julho de 2009, ratificada por declaração presidencial conjunta de 30 de setembro de 2013.

Em 25 de julho de 2009, depois de dez meses de negociações, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, atendeu a um pedido do então presidente paraguaio, Fernando Lugo, e aumentou a compensação anual paga pela energia do Paraguai de Itaipu de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões.

Depois, ambos os presidentes assinaram documento "Construindo uma nova etapa na relação bilateral", no qual os dois países "reconheceram a conveniência de que a Ande possa, gradualmente, com a brevidade possível, comercializar, no mercado brasileiro, energia de Itaipu correspondente aos direitos de aquisição do Paraguai". 

Mesmo ratificada pelos então presidentes Dilma Rousseff, do Brasil, e Horacio Cartes, do Paraguai, a questão da venda da energia da Ande para o mercado livre no Brasil não passou apenas de uma intenção. Seriam necessários estudos técnicos, com conclusões definitivas, para serem aprovados pelos dois governos e submetidos ao Congresso do Brasil e do Paraguai, para assim poder alterar o Tratado de Itaipu.

Como isso não aconteceu, tanto por falta de vontade política como até da infraestrutura necessária no Paraguai para permitir a venda a outras empresas que não a Eletrobras, continua em vigor, em sua plenitude, o Tratado de Itaipu. 

A Ata Bilateral tinha como objetivo garantir que a Ande e a Eletrobras paguem exatamente pela quantidade de energia que consomem, conforme divulgado pelo governo brasileiro e confirmado pelo governo do Paraguai, em comunicados assinados pelas chancelarias dos dois países.

Energia excedente
Foi também no governo Lula, em 2007, que o Brasil aceitou que a estatal paraguaia Ande tivesse prioridade na compra da energia adicional ou excedente de Itaipu, aquela que a usina produz acima dos contratos com o Brasil e o Paraguai. 

A partir dali, embora o consumo no Paraguai tenha aumentado progressivamente, a Ande passou a contratar menos energia vinculada de Itaipu, sobre a qual recaem os custos da dívida, os custeios e os royalties, para utilizar mais a energia excedente sobre a qual só recaem os royalties. 

Quanto mais energia excedente a Ande utiliza, mais barata fica a eletricidade para o consumidor paraguaio, beneficiado artificialmente por esta facilidade concedida à estatal. Do lado brasileiro, ocorre o contrário. Com isso, A Eletrobras se vê obrigada a contratar todo o restante da da potência de Itaipu, conforme estabelece o Tratado de Itaipu. Na prática, acaba tendo muito pouco acesso à energia excedente, porque o Paraguai subcontrata energia; levou a mais, pagando menos pelo que consome.

A prática da Ande tornou-se tão exagerada que levou a Eletrobras a exigir um novo acordo, o qual prevê uma relação mais justa e equilibrada  às duas empresas. As áreas técnicas das duas empresas se reuniram para tentar definir um contrato justo do montante mais realista a ser contratado, mas não houve acordo.

Como prevê o Tratado de Itaipu, se não há acordo nas áreas técnicas, recorre-se a instâncias mais altas, no caso representantes do governo dos dois países. Foi ali que surgiu o acordo que resultou na Ata Bilateral depois muito questionada no Paraguai, inclusive porque conteria uma cláusula prevendo a venda de energia da Ande para uma empresa privada brasileira, o que não é verdade.