Chão de giz

Você veio me ver. "Vim te ver", disse. Como se fosse a coisa mais normal do mundo. Fala sério. Quem te deu permissão para sair e entrar na vida dos outros como se fosse um trem qualquer? O que te faz pensar que tem o direito de pigarrear alto bem na minha frente? Com esse olhar de quem finge que tá nem aí – só que tá super aí. Eu finjo que não ligo – só que ligo sem parar. Tipo telemarketing. 

Eu me apaixonei por você como quem se apaixona por um livro novo-velho. Aqueles que a gente compra e, de primeira vista, não para de pensar nele: "vou ler, vou ler!". Aí, abandona na estante pela correria. E só então, passados uns 3 anos que pega nas mãos e se apaixona de vez. Você foi assim, entende, menino-do-nome-bonito? Tipo um livro. No sofá, na cama, na mesa do escritório… Todos os lugares eu te levava. Ou queria te levar. Vejo um fio de cabelo branco e penso que esse, ainda não me conhece. Preciso me apresentar. 

O problema foi que você não acompanhou muito meu ritmo. Deve estar ficando velho, penso. Meio desiludido entre as cinzas e os copos. Nós fomos demorados e então repentinos. Simples assim. O tempo de apenas um cigarro. Tipo aquela música do Zé Ramalho, que cabe aqui e na sala de estar. Sobrou eu e o chão de giz. Acabou sendo tão pra frente que ficou pra trás. A única solução era o pecado de te deixar de molho. Isso te deixa triste? Me fala, então – o que você mudaria se pudesse resgatar aquela noite? Você abriria a porta do carro ou seguraria meu cabelo? Se tivesse uma máquina do tempo, iria acordar no dia seguinte e me ligar 300 vezes – só para me chamar para mais um almoço e me ganhar de vez? Tenho minhas dúvidas. E aquela maratona que prendeu a gente em casa? Você queria que ela entrasse em looping? Aí a gente ficaria lá pra sempre. 

O que importa é que você veio me ver. Assim, como quem não quer nada. Agora, eu estou olhando para o cabelo branco. Agora, você está olhando para a minha boca enquanto eu falo besteira para puxar assunto. Agora, você percebeu que solidão não é estar sozinho, mas, estar com qualquer pessoa que não seja eu.