Diálogos de procuradores da Lava Jato revelam complô contra família Bolsonaro

Um complô contra o senador Flávio Bolsonaro foi identificado por procuradores da Operação Lava Jato, ainda em janeiro de 2019. Cerca de um mês depois de o jornal O Estado de São Paulo ter recebido um relatório do Conselho de Atividades Financeiras (COAF), que deu origem a uma investigação ilegal contra o filho do presidente.

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À época, a informação foi compartilhada no grupo de Telegram chamado “Filhos de Januário 3”, composto por procuradores do Brasil inteiro, na ocasião, alguns deles riram e ignoraram o crime de vazamento. Quem trouxe a informação no grupo foi o chefe da Força-Tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dellagnol no dia 22 de janeiro de 2019, conforme trecho do diálogo abaixo:

22 de Janeiro 2019 – CHAT – FILHOS DE JANUÁRIO 3

  • Deltan – “Identificamos a fonte do vazamento dos dados da família Bolsonaro!! COAF e MP juntos!
  • 19:44:25 Roberson MPF – Hahahaha
  • 19:44:38 Jerusa – Kkkkkk”

Dois dias depois da revelação de Dellagnol sobre a identificação da fonte de vazamento sobre a família Bolsonaro, a procuradora Jerusa Viecili compartilha o link de uma matéria de um dos coordenadores da Lava Jato, José Alfredo de Paula Silva saindo em defesa do COAF, mesmo depois de os promotores terem a ciência que o vazamento aconteceu pelo MP e o próprio COAF. Confira abaixo:

24 de Janeiro 2019 – CHAT – FILHOS DE JANUÁRIO 3

Deputado Daniel Silveira levaria o caso ao plenário caso não fosse preso

O jornalista Oswaldo Eustáquio teve acesso aos diálogos da Lava Jato em novembro de 2020 e entregou o material para o presidente do PTB, Roberto Jefferson. O deputado federal Daniel Silveira iria trazer à tona essa informação no plenário da Câmara dos Deputados na semana depois do carnaval, mas acabou sendo preso na quarta-feira de cinzas. Eustáquio foi preso no dia 18 de dezembro e o STF o proibiu de receber visitas, se pronunciar pelas redes sociais e dar entrevistas.

Os chats secretos da Lava Jato, que já estão em posse do STF, citam o presidente Jair Bolsonaro por mais de uma centena de vezes e, por decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, foram compartilhados com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda na semana passada, o presidente da República disse aos seus apoiadores, na saída do Palácio do Alvorada, que vai solicitar ao STF os diálogos secretos que o citam e mostram informações sobre sua família. Ao que tudo indica, os procuradores da Lava Jato sabiam do vazamento de informações sobre a família do presidente e sequer encaminharam para a corregedoria do MPF, tampouco para o STJ.

Os indícios de ilegalidade na condução do inquérito contra Flávio Bolsonaro revelados nesta reportagem corroboram com a decisão do Superior Tribunal de Justiça julgada nesta semana que invalida as “provas” contra o senador por 4×1.

Houve abuso de autoridade, diz Flávio Bolsonaro

Sobre a decisão, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse que

que houve abuso de autoridade na denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a prática de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). "A decisão do STJ de hoje esvazia essa denúncia. Houve total excesso [no processo]. Houve abuso de autoridade. O próprio processo é muito frágil com muitos defeitos. Alguns poucos promotores do Ministério Público do Rio calcularam errado meu patrimônio. Houve uma perseguição implacável, fora da lei. A gente tem ciência das barbaridades que foram feitas. Eu não tenho problema em ser investigado. Mas tem que ser dentro da legalidade", afirmou Flávio em entrevista á CNN Brasil na última terça-feira (23).

Foi somente uma brincadeira entre colegas de trabalho, diz MPF

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal, que não confirmou o conteúdo das mensagens, mas informou que as frases teriam sido ditas em tom de brincadeira pelo chefe da Força Tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dellagnol. Em nota, o MPF diz de forma genérica, não reconhecer os diálogos, mas que a fala foi somente uma brincadeira entre colegas de trabalho, mesmo tratando-se de um assunto sério. Veja a íntegra da nota do MPF:

  1. Os procuradores da República que a integraram força tarefa Lava Jato reafirmam que não reconhecem a autenticidade e a veracidade das mensagens criminosamente obtidas por hackers que estão lhe sendo atribuídas. Os supostos diálogos constantes nessas mensagens, editados, descontextualizados e deturpados, vem sendo utilizados de forma deliberada e sistemática por condenados da operação e simpatizantes que, não conseguindo enfrentar as provas e fatos que constam em centenas de autos judiciais, limitam-se a fazer e renovar, por dezenas de vezes, falsas acusações.
  2. No caso específico, ainda que os diálogos tivessem ocorrido da forma como apresentados – embora não se reconheça o seu conteúdo, seja pelo tempo, seja pela ordem em que são apresentados, seja pelo conteúdo – as mensagens mostram, evidentemente, somente uma brincadeira entre colegas de trabalho. Qualquer interpretação diferente que se faça da questão, além de ser totalmente contrária ao contexto jocoso revelado pelas próprias supostas mensagens, não tem qualquer amparo na realidade. A força-tarefa do caso Lava Jato em Curitiba tinha atribuição limitada à investigação de crimes relacionados às empresas do Grupo Petrobras, não alcançando eventuais investigações relacionados ao presidente ou a sua família."

Sandra Terena

É jornalista profissional diplomada, pós-graduada em Comunicação Audiovisual com ênfase em Cinema, especialista em Direitos Humanos pelo IPPDH. É autora do documentário Quebrando o Silêncio – Prêmio Jovem da Paz em 2009.

Foi repórter do Jornal Gazeta do Povo e assessora de Comunicação na Fundação Cultural de Curitiba. É ex-Secretária Nacional da Igualdade Racial do governo Federal de janeiro de 2019 a setembro de 2020.